9 de mai. de 2010

A história do começo feliz e do triste fim


Esta é a história de um amor que não aconteceu; A história de um amor abortado.
Esta é a história de um amor consumido, tragado, dilacerado.
Esta é a história de um amor que perdeu pra morte, que não teve sorte, que caiu do abismo.
Este relato, triste e pesado, conta a história do amor de Carlos e Eduarda: A história do começo feliz e do final triste.
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Sabia-se tudo sobre todos naquela pequena cidade do interior.
A vida era pacata e preguiçosa, e as horas, divertidas, arrastavam-se vagarosamente pelos raios de sol e clarões de luar. Nesta cidade haviam ruas calçadas de pedras, muros feitos de barro e senhoras nas janelas aos fins de tarde. Nesta cidade haviam poucas esquinas, poucas pessoas e apenas uma venda para atender à todos moradores.
Esta cidade trazia uma história, como toda cidade... Mas fazia histórias também, como era de se esperar.
Moravam ali duas pessoas, que dentre tantas outras, destacavam-se pelo seu amor proibido. Eram Carlos e Eduarda, primos primeiros, criados juntos e inconscientes de tal amor que crescia.
Nas colinas gramadas do interior de Minas Gerais, Eduarda e Carlos viam rolar os tempos difíceis de mudança do mundo. Perdiam ali suas tardes, consumidos por sentimento paralisante de paixão e desprezando todos os nós que a família poderia traçar se descobrissem sobre o amor tão puro que existia entre eles.
Nas colinas, Eduarda via suas intimidades exploradas, descobertas... Enquanto, da mesma forma, descobria novos prazeres nas curvas das pernas de Carlos, nas voltas de sua orelha, no calor do seu hálito. Juntos eram um só; e o tempo dava pausas para respirar. As nuvens pareciam parar no céu sempre tão claro, e as rosas, benditas rosas, gostavam muito de soltar seu perfume mais delicioso ao verem os amores dos primos refugiados do pudor vingativo daquela pequena cidade.
Quando tinham meios de fugir, corriam às colinas no meio das frias noites, e amavam brincar de escolher suas estrelas no céu, sonhando que cada uma pertencia a um deles, e que elas também viviam o amor dos proibidos.
Carlos fazia os planos; Eduarda vivia os sonhos. Era difícil controlar os impulsos do amor sem limites. Na presença de familiares, como fingir não sentir algo que já é como parte da alma? Eduarda preferia sempre se trancar em seu quarto quando Carlos estava em sua casa acompanhado de seus pais. Carlos, moleque crescido como era, preferia arriscar a sorte em beijos molhados nas quinas dos corredores da grande casa antiga onde vivia Eduarda. Era um amor de pique esconde o amor destes dois... Era fácil ver o brilho nos olhos, o cuidado nos atos, o incômodo da distância. Eles nasceram para ficarem juntos. Estava traçado.
Não importava a nenhum deles se dessem por falta de sua presença em alguma tarde; Com o tempo, cansaram-se de esconder aquilo que era cada vez mais bonito. Seria um escândalo, uma desonra para a família ver os dois juntos, mas se não fosse assim como seria? Como prever os passos que ainda não foram dados? E foi com pensamento fixo, que Carlos decidiu, apoiado por Eduarda, contar a seus pais toda a verdade. Tinham escolhas, e estavam decididos sobre elas: Se não desse certo, fugiriam dali, morariam em outro lugar, nem que este lugar fosse lugar algum, apenas para que pudessem ser felizes juntos.
Mas determinado e ignorante aos nossos sentimentos é o destino. Estava tudo pronto, planos definidos, coragem crescendo no peito de ambos e tardes ainda maravilhosas nas colinas daquela cidade. E foi assim, sem poder evitar, que em uma tarde anterior ao dia previsto para o abrir-jogo da história de Carlos e Eduarda, que seus pais, já desconfiados de algo estranho nas ausências mútuas, flagraram o amor dos dois nas gramas da colina onde ficavam as rosas. E ódio tomou conta; A fúria dos pais de Eduarda foi imensa! As rosas perderam seu perfume e a grama ficou sem vontade de ser verde. Eduarda perdeu sua alma e Carlos já não sentia bater o seu coração. Foram separados sem a escolha de estar ou não estar. Aquele amor que era tão lindo virou motivo de discórdia, ódio e rancor. A família separou-se e Carlos partiu da cidade de pedras nas ruas e senhoras às janelas. Eduarda, pobre coitada, via sua vida partir a cada entardecer, ficando cada vez menos falante, menos radiante... Até sua beleza, antes exuberante, partiu com Carlos. O novo destino que enxergava era negro... choroso... dramático.
Carlos, agora um rapaz apático, não trabalhava, não saía e mal comia... Era tristeza. E tal tristeza era voraz e crescente, uma dor lancinante no peito que antes criava com gosto o coração apaixonado, agora fraco de tanto gritar sem ser respondido.
As estrelas ainda eram seu ponto de encontro, e ficavam lá, paradas, estagnadas em sua melancolia, pouco brilhando, pois não tinham mais os jovens que antes lhes apontavam deitados em uma colina verde com cheiro de rosas.
E foi assim, em mais um dia de dor, que Carlos cansou-se da ausência de sua amada, decidindo pela fuga. Deixaria para trás pai e mãe, mas viveria para sempre ao lado de seu amor. Resgataria Eduarda de seus pais rancorosos, e a levaria para bem longe, onde poderiam viver em essência o amor que sempre sentiram. Traiçoeiro e calculista como sempre foi, o destino determinou que no mesmo dia Eduarda tomaria a mesma decisão. E assim, movidos pelo mesmo objetivo, partiram, cada um de seu lugar, ao encontro do outro.
Alguns poucos quilômetros separavam as cidades em que estavam, e uma pequena viagem de carro era o suficiente para o encontro de almas tão unidas. Mas um não sabia das intenções do outro, o desencontro seria certeiro... Se não fosse por um pequeno detalhe.
Era domingo, final de feriado prolongado, trânsito engarrafado na BR que separava as pequenas cidades. As curvas da estrada eram sempre lembradas pela sua malícia com os motoristas mais desatentos. Um acidente parecia estar atrapalhando o desenrolar da viagem. Nervosa, Eduarda não via a hora de sair daquela confusão e abraçar seu amor mais uma vez. Ela buzinava, tentava ultrapassagens perigosas, mas permanecia quase parada. Era desesperante! Seus pais dariam falta do carro e de sua presença a qualquer momento, e poderiam avisar os pais de Carlos para que estes o vigiassem mais do que o normal. Como o tempo passa devagar quando estamos com saudades dos beijos de um grande amor...
Finalmente Eduarda passaria pelo bloqueio na estrada e seguiria sua viagem, agora quase no fim, e reencontraria Carlos, com o qual ela sonhava pelo afagar das mãos grandes e palavras bonitas. Eis que a dor de toda esta distância, ainda não tinha sido o suficiente para o castigo de Eduarda. Lá estava o motivo do engarrafamento: O carro de seus tios, capotado na estrada. E lá estava ao chão um corpo coberto pelo pano branco do prenúncio da morte... Desesperada pelo temor de ver com os olhos aquilo que já via com o coração, Eduarda saiu descontrolada do carro que roubara dos pais e atravessou a estrada com o restante das forças que suas pernas tinham. Não houve homem capaz de segurar sua vontade de ver quem estava por baixo pano da morte... Desvencilhando-se todos, Eduarda caiu de joelhos ao lado do alguém que estava no carro. Tomada de coragem, talvez a última coragem que teria para o resto da vida, puxou o lençol de uma só vez... Desmaiou. Era Carlos.
E o sol se punha, pela última vez, para aquele casal.
...
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Dali em diante, poucas cenas ficaram na mente de Eduarda... Lembrava de muitas pessoas a carregando para dentro da ambulância, lembrava de seus pais chorando o choro do arrependimento tardio, lembrava de seu quarto, de remédios para dormir e de um cobertor.
Eduarda acordou com um gosto ruim na boca. Era o amargo da partida, concluiu depois. Aos poucos a impressão de ter tido um grande pesadelo transformou-se em percepção da realidade cruel... Carlos estava morto. Saiu de seu quarto com a mesma roupa que estava desde o dia anterior. Seus pais, na sala, aguardavam o despertar da filha. Carlos ainda estava sendo velado, e sem trocar palavras com ninguém, Eduarda dirigiu-se à antiga capela onde quase toda a cidade reunia-se para a romaria do enterro de seu amado.
Era tão triste imaginar Carlos sem vida... Eduarda pensou várias vezes em não aparecer por lá, em não guardar para si a imagem de seu amor em um caixão... Mas ao mesmo tempo seu coração clamava por uma despedida, pedia pelo último beijo na face, pela última sensação do toque na pele que, agora gélida e sem cor, havia lhe dado tanto amor... O maior amor.
Entrou pela capela sem ver nem ouvir ninguém... Estavam todos lá, mas ela não queria enxergar. Tocou com as pontas dos dedos as flores que cobriam os pés de Carlos, subiu com o olhar e percebeu que os pais haviam lhe colocado suas roupas preferidas... Tocou as mãos de Carlos, e olhou seu rosto... Estava sereno, com expressão tranqüila. Apesar de ter deixado Eduarda com o coração em pedaços, Carlos morrera sentindo a felicidade do quase-reencontro com sua grande paixão. Isso bastou para que morresse satisfeito.
Eduarda abaixou-se, beijou a face de seu amado e desejou do fundo do seu coração que ele a beijasse de volta... Era impossível. De lágrimas aos olhos, Eduarda lembrou de cada momento vivido nas colinas, nas quinas dos corredores e nas intimidades um do outro; lembrou da força extrema daquele amor que antes movia seu coração em um sentido oposto à razão, transformando em flores e em paixão tudo aquilo que estava em sua volta...
Lembrou-se de uma noite, a primeira noite em que esteve junto a Carlos, e lembrou-se daquela canção que tocava no rádio da pequena cidade... Era tão triste, e ao mesmo tempo era tema daquele momento. Ainda fraca, Eduarda sussurrou ao ouvido do corpo que antes fora de Carlos:
- Te amarei para sempre
E levantando-se, cantou como um grito o trecho da canção que se repetia na consciência daquela mulher de coração ferido para sempre...:
- A emoção acabou, que coincidência é o amor, a nossa música nunca mais tocou.
E aquela música nunca mais tocou...
E os anos se passaram sem respeitar a dor de Eduarda.
Ainda hoje, na pequena cidade, conta-se de uma velha senhora solteira, de expressão muito triste, que debruçada em sua janela, observa em seu jardim as rosas mais belas... E todas as noites, dizem por aí, a senhora aponta uma estrela, que diz sempre brilhar um pouco mais para ela, como que lhe chamando para voar ao céu. Essa senhora anda por aí contando uma velha história de amor. Todos a chamam de louca. Eles não entendem que a partida de um grande amor nos deixa um pouco mortos também... Eduarda vive assim, mergulhada na saudade de Carlos desde décadas e décadas atrás... E sonha todos os dias com o dia em que dormirá para nunca mais acordar, e assim, enfim, há de tocar as mãos de seu amor novamente, e, desta vez, para a eternidade...
Certamente, de todas as dores, a pior delas é a dor da despedida.
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Matheus

3 comentários:

Unknown disse...

Me emocionei... muito linda a história !

Luiza disse...

Tua história faz chorar,faz encantar... mas,principalmente,tua história faz sonhar!

Larissa Albuquerque disse...

Viajei legal!Parabéns..
"Certamente, de todas as dores, a pior delas é a dor da despedida" EU SEI BEM...