Gênero: Drama
Lá estava ela.
Eu não sabia seu nome!
Pensei ser Clara, mas em volta dela era tudo triste e sombrio. Chamar-se Clara seria uma piada de mau gosto.
Decidi que seu nome era Maria.
Os olhos eram tristes e marejados de lágrimas, suas mãos sujas, seu rosto infantil e mesmo assim sofrido. Tinha ela a face de mulher guerreira, lua nova tímida e pequena, perdida em meio a tanto breu.
Face de mulher-maria.
As unhas encardidas e roídas eram contraste com o velho vestido sujo que usava que, mesmo em meio a tanta sujeira, apresentava um laço, um cordão e um bordado.
O laço um dia fora vermelho, apesar de agora ser uma cor sem nome, o cordão era desfiado e velho, e o bordado estava rasgado e sujo.
Era esse o tesouro da menina Maria; Seu vestido que tinha um laço um cordão e um bordado.
Nada mais era seu na vida.
A vida na verdade nem a ela pertencia.
Os donos de sua vida eram os mendigos bêbados, a mãe que a abandonara, e os policiais covardes de farda cinza.
Percebi que Maria gostava de cinza.
Na verdade ela mesma era quase cinza de se ver, de tão apagada.
Menos os seus olhos.
Eram verdes... E isso me fez rir.
Eu sonhei com os olhos de Maria quando era pequeno.
Por detrás daquela pele suja, daquele vestido velho, e daquele cabelo sem vida preso em um rabo mal feito, escondiam-se olhos verdes!
E tem mais; Eram tão verdes que me doeram a vista!
Eram esmeraldas, talvez.
E assim Maria tinha mais um tesouro; Seus olhos verdes.
Percebi que seu baú era o corpo pequeno, e as relíquias estavam guardadas fora: Um vestido, um laço, um cordão, um bordado e um par de esmeraldas que serviam para ver as coisas.
Ao seu lado Maria tinha também um pedaço de pão, e aos seus pés uma cadela dormia.
Meu Deus, que menina de tesouros mil era Maria!
O pedaço de pão certamente viera comendo há dias, com medo de que acabasse, pois vi nas esmeraldas de Maria que ela sentia fome.
A cadela tinha pelos crespos e focinho seco como a pele de Maria.
Pensei chamar-se Vida, mas seria novamente uma piada de mau gosto.
Concluí que se chamava Preta, pois era assim a vida das duas.
Aos poucos, enquanto Preta dormia, e Maria comia delicadamente seu pedaço de pão, a praça num suspiro estava vazia.
Éramos eu e Maria.
Pensei em partir, deixar pra trás Maria e sua triste história.
Pensei em não ponderar sobre os perigos que Maria passava, sobre as noites escuras e frias que enfrentava, e sobre a infelicidade que era perder na rua sua infância, sendo mulher tão jovem e sendo guerreira mesmo tão fraca.
Mas dentro de mim ainda restara um pouco de compaixão, talvez eu não seja apenas mais um urbano qualquer.
E assim, com pensamentos que me levavam como ventos levam os barcos, me aproximei de Maria.
Atravessar a praça parecia uma longa caminhada, mesmo Maria estando a menos de dez passos de mim.
Cheguei perto e pedi para me sentar. Mas Maria não respondeu.
Acho que Maria tinha medo de falar.
Falar hoje atrai muitos equívocos, já que são poucos que escutam com a alma.
Lá estava ela.
Eu não sabia seu nome!
Pensei ser Clara, mas em volta dela era tudo triste e sombrio. Chamar-se Clara seria uma piada de mau gosto.
Decidi que seu nome era Maria.
Os olhos eram tristes e marejados de lágrimas, suas mãos sujas, seu rosto infantil e mesmo assim sofrido. Tinha ela a face de mulher guerreira, lua nova tímida e pequena, perdida em meio a tanto breu.
Face de mulher-maria.
As unhas encardidas e roídas eram contraste com o velho vestido sujo que usava que, mesmo em meio a tanta sujeira, apresentava um laço, um cordão e um bordado.
O laço um dia fora vermelho, apesar de agora ser uma cor sem nome, o cordão era desfiado e velho, e o bordado estava rasgado e sujo.
Era esse o tesouro da menina Maria; Seu vestido que tinha um laço um cordão e um bordado.
Nada mais era seu na vida.
A vida na verdade nem a ela pertencia.
Os donos de sua vida eram os mendigos bêbados, a mãe que a abandonara, e os policiais covardes de farda cinza.
Percebi que Maria gostava de cinza.
Na verdade ela mesma era quase cinza de se ver, de tão apagada.
Menos os seus olhos.
Eram verdes... E isso me fez rir.
Eu sonhei com os olhos de Maria quando era pequeno.
Por detrás daquela pele suja, daquele vestido velho, e daquele cabelo sem vida preso em um rabo mal feito, escondiam-se olhos verdes!
E tem mais; Eram tão verdes que me doeram a vista!
Eram esmeraldas, talvez.
E assim Maria tinha mais um tesouro; Seus olhos verdes.
Percebi que seu baú era o corpo pequeno, e as relíquias estavam guardadas fora: Um vestido, um laço, um cordão, um bordado e um par de esmeraldas que serviam para ver as coisas.
Ao seu lado Maria tinha também um pedaço de pão, e aos seus pés uma cadela dormia.
Meu Deus, que menina de tesouros mil era Maria!
O pedaço de pão certamente viera comendo há dias, com medo de que acabasse, pois vi nas esmeraldas de Maria que ela sentia fome.
A cadela tinha pelos crespos e focinho seco como a pele de Maria.
Pensei chamar-se Vida, mas seria novamente uma piada de mau gosto.
Concluí que se chamava Preta, pois era assim a vida das duas.
Aos poucos, enquanto Preta dormia, e Maria comia delicadamente seu pedaço de pão, a praça num suspiro estava vazia.
Éramos eu e Maria.
Pensei em partir, deixar pra trás Maria e sua triste história.
Pensei em não ponderar sobre os perigos que Maria passava, sobre as noites escuras e frias que enfrentava, e sobre a infelicidade que era perder na rua sua infância, sendo mulher tão jovem e sendo guerreira mesmo tão fraca.
Mas dentro de mim ainda restara um pouco de compaixão, talvez eu não seja apenas mais um urbano qualquer.
E assim, com pensamentos que me levavam como ventos levam os barcos, me aproximei de Maria.
Atravessar a praça parecia uma longa caminhada, mesmo Maria estando a menos de dez passos de mim.
Cheguei perto e pedi para me sentar. Mas Maria não respondeu.
Acho que Maria tinha medo de falar.
Falar hoje atrai muitos equívocos, já que são poucos que escutam com a alma.
Resolvi ir com calma, Maria tinha motivos de sobra pra ter medo de qualquer um.
Acariciei a cadela Preta e tentei olhar de perto as esmeraldas de Maria, mas ela estava de cabeça baixa e tremia de frio e medo.
Perguntei se tinha fome, e se tinha sede, e se tinha vontade de tomar um banho.
E Maria, mesmo tão arredia e temerosa, disse que sim.
Mas aquilo não me bastou, e numa explosão de sentimentos perguntei à Maria se ela tinha vontade de ter uma família. Disse que se quisesse poderia morar em minha casa, onde teria a mim como pai, minha mulher como mãe, uma lareira para as noites frias e livros coloridos para os momentos de lazer.
Em mente perguntei-me se Maria saberia ler, mas resolvi que se não soubesse eu mesmo poderia ensiná-la.
E pela primeira vez Maria me olhou.
Mas eu não pude olhá-la.
Por favor, me entendam.
O reflexo das esmeraldas de Maria, molhadas de lágrimas e felicidade, era demais para os meus olhos de gente grande.
E Maria me respondeu: Sim.
E foi tão simples como nascer.
Toquei a mão de Maria, e vi que sua pele não era seca como a imaginara.
Senti o cheiro de Maria, e ele era suave, como o cheiro de uma pessoa querida.
E percebi também, que, de perto, seu vestido era bonito, e seu laço era mesmo vermelho, que seu cordão não era assim tão desfiado, e que seu bordado não estava assim tão rasgado.
E isso me aliviou.
Dentro de Maria ainda vivia um pouco de criança.
Levantamos e juntos começamos a caminhar.
Maria deixara para trás seu pedaço de pão.
Deixara para trás uma vida de dor, e agora, com ela tão perto de mim, a única coisa que ela merecia era muito de tudo, muito do meu amor.
Começou ali a nova vida de Maria, e como por encanto, como se fosse possível, suas esmeraldas brilharam num verde inacreditável...
Era a alma de Maria que estava feliz!
De mãos dadas e o pôr-do-sol, éramos mais uma vez apenas eu e Maria na praça.
Mas agora as cores do mundo eram mais fortes pra nós.
Era emoção de mais para conter em um instante apenas.
- Como se chama? – Perguntei
- Clara – ela me respondeu.
E na mesma hora meus olhos se encheram de lágrimas.
Mas segurei o pranto, não seria justo chorar agora.
- E como se chama sua cadela?
- Vida.
...
Chorei.
Matheus
(Publicado no "Jornal Observador" em 12/06/2009)
Acariciei a cadela Preta e tentei olhar de perto as esmeraldas de Maria, mas ela estava de cabeça baixa e tremia de frio e medo.
Perguntei se tinha fome, e se tinha sede, e se tinha vontade de tomar um banho.
E Maria, mesmo tão arredia e temerosa, disse que sim.
Mas aquilo não me bastou, e numa explosão de sentimentos perguntei à Maria se ela tinha vontade de ter uma família. Disse que se quisesse poderia morar em minha casa, onde teria a mim como pai, minha mulher como mãe, uma lareira para as noites frias e livros coloridos para os momentos de lazer.
Em mente perguntei-me se Maria saberia ler, mas resolvi que se não soubesse eu mesmo poderia ensiná-la.
E pela primeira vez Maria me olhou.
Mas eu não pude olhá-la.
Por favor, me entendam.
O reflexo das esmeraldas de Maria, molhadas de lágrimas e felicidade, era demais para os meus olhos de gente grande.
E Maria me respondeu: Sim.
E foi tão simples como nascer.
Toquei a mão de Maria, e vi que sua pele não era seca como a imaginara.
Senti o cheiro de Maria, e ele era suave, como o cheiro de uma pessoa querida.
E percebi também, que, de perto, seu vestido era bonito, e seu laço era mesmo vermelho, que seu cordão não era assim tão desfiado, e que seu bordado não estava assim tão rasgado.
E isso me aliviou.
Dentro de Maria ainda vivia um pouco de criança.
Levantamos e juntos começamos a caminhar.
Maria deixara para trás seu pedaço de pão.
Deixara para trás uma vida de dor, e agora, com ela tão perto de mim, a única coisa que ela merecia era muito de tudo, muito do meu amor.
Começou ali a nova vida de Maria, e como por encanto, como se fosse possível, suas esmeraldas brilharam num verde inacreditável...
Era a alma de Maria que estava feliz!
De mãos dadas e o pôr-do-sol, éramos mais uma vez apenas eu e Maria na praça.
Mas agora as cores do mundo eram mais fortes pra nós.
Era emoção de mais para conter em um instante apenas.
- Como se chama? – Perguntei
- Clara – ela me respondeu.
E na mesma hora meus olhos se encheram de lágrimas.
Mas segurei o pranto, não seria justo chorar agora.
- E como se chama sua cadela?
- Vida.
...
Chorei.
Matheus
(Publicado no "Jornal Observador" em 12/06/2009)
2 comentários:
Fala Matheus, valeu pelo comentário lá no Terra Estranha! Dei uma passada aqui pra conhecer também, muito bom esse conto, deu pra imaginar Clara perfeitamente! Também já escrevi sobre o assunto tempos atrás, o título é Sombras Urbanas, eu acho! E por falar em blogs da vida, dê uma olhada no blog da Ana também! Na verdade o blog dela é em conjunto com a Julya, uma amiga, o link é: www.fragmentosdecartas.blogspot.com
Até mais!
eimPuxa vida, eu acho que esta é a coisa mais linda que já li desde que consigo me lembrar, sério. Os sentimentos são quase palpáveis, muito boas descrições, a cena se desenvolve como num teatro. Gostei muito mesmo. Dos mais antigos também.
Obrigada por visitar o Fragmentos, pode voltar quando quiser, porque eu com certeza voltarei aqui.
Parabéns! Ana. =)
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